Sobre os problemas de começar nos "negócios do mundo real”.

Sobre os problemas de começar nos "negócios do mundo real”.



É um desafio começar qualquer atividade profissional sem estar envolvido com nenhuma outra que nos leve a questionamentos morais. Se seu primeiro trabalho é, um exemplo, ser balconista de uma rede de farmácias, ao mesmo tempo que é uma grande oportunidade, também é ajudar a indústria farmacêutica, com diversos episódios de procedimentos obscuros, a faturar mais.

Um entregador de comida está servindo alimentos que estão indo à mesa das pessoas por um “lobby” que nem sempre (ou quase nunca) leva em conta se aquilo está prejudicando a vida das pessoas. Assim como mesmo um dono de restaurante que não serve bebida alcoólica por achar que não é algo que as pessoas deveriam consumir, a substitui por bebidas doces, ou até sucos, que para muitos são tão prejudiciais quanto. E ainda tem que comprar do mesmo distribuidor da bebida alcoólica, ajudando assim o que ele não aprova a ganhar mais dinheiro, crescer e servir mais.

A cadeia de negócios da economia atual é muito complexa e cabe a cada um se posicionar de modo a satisfazer seus valores morais e de um trabalho saudável e bom para si e para os seus pares.

A coisa fica mais difícil para o pequeno negócio. Naturalmente. Ele é a raiz de toda atividade econômica. O pequeno empreendedor. Para se abrir um negócio hoje é preciso cumprir uma série de regras que torna impossível não contribuir com algo que não se concorda.

Isto fica patente em um dos trabalhos de mídia que mais me despertam indignação, que é o espetáculo midiático disfarçado de “defesa do consumidor”.

A tática que elegeu até deputado, todos já viram. Consiste em adentrar um estabelecimento comercial para consertar um negócio onde a parte que fez a compra tem uma insatisfação não atendida. O “justiceiro” da TV ou Youtube se coloca no conflito filmando a interação entre ele, o comerciante, e a pessoa que se sentiu desfavorecida, e atuando como a polícia e o juiz ao mesmo tempo. E só um advogado, batendo na cabeça do empresário malvadão com o código de defesa do consumidor.

Qualquer pessoa que já tentou começar seu próprio negócio sabe que não se cresce enganando o cliente. É uma venda que você só faz uma vez. E a má reputação se espalha depressa. Qualquer estabelecimento que tenha aí 1 ano de funcionamento merece o benefício da dúvida, por esta razão. E, mesmo que errado, de ter sua privacidade preservada, até que se prove o contrário. E talvez até depois. Ele não tem nem o direito ou o tempo de chamar, na hora do furdúncio filmado, um cliente grato para defender o seu lado.

E como, infelizmente, há um grupo grande o suficiente para achar que há algo de moral nisso, a coisa ganha audiência. E também, como quase sempre dá “treta”, o espetáculo tétrico ganha atenção até mesmo daqueles distraídos que, ao final, até acabam por expressar que o comerciante se deu mal ali. Me enquadro neste último. 

Uma pessoa que monta seu próprio local de trabalho, seu estabelecimento, por assim dizer, tem aquilo como sua casa, e pudera. Ali ela passa a maior parte do seu tempo, tanto preparando o trabalho, arrumando e limpando, quanto no horário comercial, quando geralmente a vemos lá. Tudo no mundo começa em germe. Você pode não ver, mas o olho do dono está lá.

E ter sua casa invadida e transformada em um tribunal de acusação público, e ser tratado como criminoso na tentativa de melhorar a própria vida e daqueles que ama é algo sem nenhum senso de proporção em qualquer lugar no planeta. E ainda mais no Brasil. Onde a injustiça, na percepção da maioria, mais parece a regra.

E, respondendo a pergunta do Fernando Ulrich - que faz um excelente trabalho - com uma pergunta de volta: Como esta pessoa que está na base, vendo nos seus negócios, nos dos vizinhos e na mídia, o rigor com o qual é tratado quem ousar pecar contra as normas e códigos impostos pela lei? Como não pensar que os negócios que prosperam tem alguma forma de benefício, uma "aliviada"?

O outro lado desta lógica seria dizer que “mas aquelas nas quais eu invisto são as verdadeiras heroicas. As que venceram apesar deste estado de coisas”.

https://x.com/fernandoulrich/status/1772051624636137678?s=48